Deus, são dezenove minutos do dia trinta e um de julho de dois mil
e quatorze. Eu sei que o Senhor sabe que horas são e a data de hoje também, mas
é só um registro meu. Eu acabei de orar e me deitei. Mas eu preciso confessar
uma coisa: a vida é muito louca.
Deus, eu amo a vida. Amo muito viver. Por tudo que o Senhor me
permitiu viver, por tudo que o Senhor me deu, sinceramente, eu amo a vida. Mas
é uma coisa muito louca. Estou aqui em Belo Horizonte, e lá em Nova Iguaçu, no
CTI do Hospital da Posse meu irmão está entregue nas mãos de pessoas que eu
nunca vi, e, provavelmente, ele também, passando por um procedimento bastante
delicado. Estão drenando, pela segunda vez em dois dias, o sangue que tem
vazado no cérebro dele.
Deus, eu sei que quando o Senhor nos criou não planejou nada
disso. Eu sei que tudo isso vem em consequência de varias escolhas erradas
desde Adão até nós. Mas isso, Senhor, é muito difícil. Sei que talvez muitos
outros estejam agora vivendo a mesma coisa, mas, Deus, ele é meu irmão. Me
afeta diretamente, e isso dói bastante. Ele corre o risco de não sair vivo
daquele hospital. E isso me assusta. Está muito próximo de mim. Daqui a pouco
pode ser eu.
Eu não tenho medo da morte. Não, não é isso. Não tenho medo do que
vai ser depois, porque mesmo não me achando tão santo como foi o Apostolo
Paulo, posso dizer "que, para mim, o morrer será lucro". Eu estarei
em seus braços. Estarei contigo.
Mas Deus, deixar tudo isso? Eu amo a vida. Amo meus pais. Amo
minha esposa. Amo minhas filhas. Amo minha neta Maria Eduarda que já chegou, e
Maria Luiza que está chegando. Amo todo mundo. Não sei não amar. Não aprendi
não amar. E de repente ter que deixar tudo... Deus isso é muito louco.
Ver as pessoas que são próximas partindo para sempre dói demais.
Fico pensando em qual seria a solução. Que metido a besta que sou, não é
verdade, Senhor? Se todos partirem antes de mim, eu sofrerei muito. Se eu for
antes, eles irão sofrer. Eu acho. Então o que fazer? Não há o que fazer a não
ser esperar, esperar e esperar a hora. Pois é certo que a hora de todos
chegará.
Então porque somos tão bestas? Construímos palácios que iremos
deixar. Engordamos contas bancárias que de nada adiantarão. Compramos carros
caríssimos, que não poderão nos levar nem até mesmo ao cemitério. Construímos
foguetes que não podem nos levar para o céu. Construímos armas que matam
indiscriminadamente. Zombamos do outro só porque ele tem uma cor diferente da
nossa, mas todo o seu corpo tem as mesmas substancias do nosso. Olhamos para os
mais pobres com desdém, e não nos lembramos que seremos pó, como eles também.
Por que somos assim?
Deus, são quinze hora e três minutos do dia quatro de novembro de
dois mil e quatorze. Eu estou em Juiz de Fora, o Senhor sabe, não é mesmo? Há
pouco mais de três meses meu irmão partiu. O Senhor o tem aí. Ele está vivendo
o privilégio de estar juntinho do Senhor, e é isso que nos conforta. Eu nem
consigo imaginar como é isso. Mas tenho certeza absoluta de que é maravilhoso,
pois a descrição que João faz da Nova Jerusalém (Ap 21) é maravilhosa demais, e
eu sei que nem chega aos pés daquilo que realmente é.
Me perdoe Senhor, mas gosto mais da Nova Jerusalém imaginada pela
Sara, filha do Sélio. Para ela, o céu é um grande jardim, cheio de flores
lindas e vários animaizinhos correndo por lá. Achei mais parecido com o Senhor,
pois observando a natureza, não percebo o céu conforme a descrição de João.
Seria muito frio. Seria muita ostentação. Não combina com o Senhor. João apenas
caprichou tentando ser o mais fiel possível a grandeza daquilo que ele
vislumbrava.
Eu fico imaginando que no meio desse lindo jardim há um banco, e
posso ver sentados lá o Apostolo Paulo e meu irmão, Pr. José Sélio, num
tremendo papo cabeça. Seria muito bom estar ali pertinho só ouvindo. Mas
Senhor, não tenha pressa. Posso esperar ainda uns cinquenta anos para isso.
Deus, enquanto fico por aqui, me ajude a ser melhor. Quero cada
dia me parecer mais e mais com o Teu filho, que é o seu plano para mim. As
vezes é difícil, mas nunca é impossível. Até porque nada do que o Senhor nos
pede é impossível. E enquanto isso, eu quero alertar outros para quererem o
mesmo. Da mesma forma que seu servo Isaías, eu digo "eis-me aqui,
Senhor". Usa-me, Senhor, como quiseres, onde quiseres, na hora que
quiseres. Não quero encontrar-me com o Senhor com minhas mãos vazias.
Valeu, Senhor. Não vou me despedir com um até breve, ou até longe.
Até porque seria estranho me despedir de quem prometeu estar sempre ao meu
lado. Se alguma palavra o aborreceu, considere a tristeza que estava em meu
coração com tudo que aconteceu. Mas acho que o Senhor entendeu, pois acima de
tudo, o que queres de nós é sinceridade.
Um abraço, Senhor.
anestesiada. Só com o passar do tempo fui me dando conta do ocorrido. Mesmo sabendo que um dia vamos encontrá-los na glória, a saudade dói.
ResponderExcluirObrigada por compartilhar esse desabafo.
Continue fazendo isso, escrevendo. Que o Senhor te abençoe sempre com a inspiração.
Um grande abraço. Irmã Léa