Uma
cadela (foto) criou uma situação que com certeza importunou muita gente. Não é que a
danadinha fez a Ponte Rio-Niterói ser fechada para que ela fosse salva? Uma
equipe da concessionária que administra a ponte foi até o local para
resgatá-lo. Afinal, essa atrevidinha foi passear num local onde nem nós, os
seres humanos, podemos passear a pé e corria o rico de ser atropelada por causa
do grande fluxo de automóveis naquele horário, ou mesmo causar um acidente. Foi
bonito o que fizeram, resgatar aquele inoportuno animalzinho que já recebeu o apelido de "Carminha".
Um
dia desses estava comendo um lanche num shopping que não é todo fechado, e
tinha um pardal por ali querendo comer alguma coisa. Até ai tudo bem. O
problema é que ele queria comer o meu lanche. Ele estava em cima da mesa que eu
usava e, pasmem, queria pegar o meu lanche. Eu o enxotava e ele nem se
incomodava. Dava um pulinho e voando mudava de lado na mesa. Percebi depois que
ele já é um freguês habitual dali, pois na outra mesa alguém lhe oferecia um pedacinho
do seu lanche e ele ia bicar seu petisco na mão da pessoa.
Estava
na praça de alimentação de outro shopping e vi alguns seguranças tentando,
disfarçadamente, afastar dois meninos de rua que pediam comida por ali.
Cercavam de um lado, cercavam de outro, e aos poucos foram tirando os meninos
famintos sem que quase ninguém percebesse sua atitude. Cumpriram bem seu papel
livrando aquelas pessoas felizes que comiam seus lanches daqueles animaizinhos
inconvenientes.
Por
que com os pardais isso não acontece? Seriam eles melhores que os meninos, ou
não incomodam tanto quanto eles? Para mim os pardais são mais inoportunos.
Estranho isso.
Os
jornais recentemente têm mostrado imagens de pessoas espancando pequenos
animais. Indefesos, alguns sofrem horrores nas mãos de seus “donos”, ou pessoas
que se sentem incomodados por eles em alguma situação, ou por simplesmente não
gostarem de animais. Da mesma forma os noticiários têm nos mostrado casos e
mais casos de crianças que sofrem violências em suas casas. Pais, se é que
podem ser chamados assim, queimam suas mãos no fogão ou em ferros de passar
roupas. Batem com fios que fazem marcas indeléveis, tanto no corpo quanto na
alma. Crianças que são abusadas sexualmente, que levarão essas marcas para
sempre em suas vidas. Com certeza um trauma incurável, que poderá gerar uma
pessoa totalmente desequilibrada, se não for bem assistida; acompanhada com
muito amor e carinho.
Quem
são realmente os animais inconvenientes? Seriam os pequenos animais irracionais
que perambulam pela cidade fechado pontes, querendo comer nosso lanche, latindo
em horários de silêncio, cantando a madrugada toda a plenos pulmões como um
galo ao lado prédio onde moro? (O que faz esse galo aqui em Jacarepaguá?)
Seriam
as crianças que sofrem de violência física, moral e sexual sem que possam
reagir aos brutamontes que as praticam? Violência esta, na maioria das vezes,
praticada dentro de casa por seus próprios pais ou outros parentes?
Em
seu bom livro “As Boas Mulheres da China”¹, a jornalista Xinran descreve o que
encontrou no diário de uma adolescente abusada sexualmente pelo próprio pai, a
partir dos seus onze anos de idade até os dezessete: “Eu costumava sonhar que
encontraria um jeito de lavar a minha dor, mas será que posso lavar a minha
vida? Posso lavar o meu passado e o meu futuro? Frequentemente examino meu
rosto com atenção no espelho. Parece liso de juventude, mas eu sei que tem as
cicatrizes da experiência: é despido de vaidade e muitas vezes mostra dois
vincos fundos na testa, sinais do terror que sinto dia e noite. Meus olhos não
têm nada do brilho da beleza dos olhos de uma garota. No fundo deles há um
coração que se debate. Dos meus lábios machucados foi raspada toda a esperança
de sensação; minhas orelhas, fracas por causa da constante vigilância, nem
aguentam um par de óculos; meu cabelo, que deveria brilhar de saúde, não tem
vida, por causa da preocupação. É esse o rosto de uma garota de dezessete anos?
O que são as mulheres, exatamente? Os homens devem ser classificados na mesma
espécie que as mulheres? Por que é que eles são tão diferentes? Livros e filmes
podem dizer que é melhor ser mulher, mas não consigo acreditar. Nunca achei que
isso fosse verdade e jamais vou achar.”
Quem
são os animais inconvenientes? Os irracionais que fazem coisas por seus
instintos e, às vezes, por uma adaptação a um mundo que não seja o deles, nos
incomodam por que nós mesmos acabamos com o seu habitat natural, ou
influenciamos as mudanças de hábitos deles dando-lhes comidas que não as suas?
Quem
são os animais inconvenientes? Os racionais que precisam crescer num ambiente
de amor, carinho, respeito, orientação, educação e tantas outras coisas que as
crianças precisam e não encontram em seus lares? Que por falta uma família
organizada, ou bem estruturada, precisam dormir nas ruas e rondar as portas de
restaurantes ou praças de alimentação nos shoppings numa tentativa de comer
alguma coisa, que às vezes, os animais racionais adultos jogam no lixo, sem se
importar?
Quem
são os animais inoportunos, inconvenientes?
Quero
juntar três textos bíblicos que pode nos dar uma visão daquilo estamos fazendo:
“Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado. Em verdade, em
verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado. Quem
comete pecado é do Diabo; porque o Diabo peca desde o princípio” (Tg 4:17; Jo
8:34; I JO 3:8).
Nós
somos os inconvenientes. Animais racionais inconvenientes, inoportunos,
impróprios e todo outro adjetivo que você puder pensar que mostre o quanto
estamos longe daquilo que Deus planejou. Longe da imagem e semelhança de Deus.
Temos melhorado em alguns aspectos, mas caminhamos em lentos passos em outros
tantos. Mas é muito bom ver que aqui ou ali surgem manifestações que nos levam
a crer que nem tudo está perdido. Deus tem incomodado alguns no sentido de
fazer diferente. E não quero nem citar pessoas que a mídia já tem de alguma
maneira mostrado, mas pessoas simples como eu e você.
Este
depoimento apareceu no facebook, e foi postado por um amigo de Maringá (PR),
Artur, ou simplesmente Tuca:
“Hoje
depois de muito tempo pensei em me dar um Luxo de ir comer no shopping aqui de Maringá...
com a grana bem curta mais resolvi ir...
Ao chegar fui estacionar o carro na avenida na frente do shopping, quando me deparei com um menino sentado na calçada com a cabeça entre os joelhos, como muitas vezes já me peguei no mesmo estado triste e na mesma posição.
Naquele momento fiquei parado dentro do carro, com os olhos cheios de lagrimas, orei e pedi a Deus pra me orientar, pois não sabia como poderia ajudar aquele menino...
Sai do carro fui até ele, sentei ao lado dele e falei: Mano hoje sai de casa pra me dar o luxo de comer um lanche mais sei que Ele queria era dar um luxo pra você...
Perguntei o que ele queria comer... nesse momento ele me olhou e falou: Eu só queria comer algo diferente, todo mundo no fim de semana come alguma coisa diferente...
Pedi pra que ele entrasse e fosse comigo comer... ele não quis, porque ele não estava com a família e todos lá dentro estavam com suas famílias, e ele não queria que essas pessoas ficassem olhando pra ele... (entendi, pois muitas vezes nossos olhares poder ferir).
Entrei comprei um lanche para ele e voltei... meu quando ele me avistou com o saquinho de lanche de uma marca famosa pude ver em seus olhos o brilho de felicidade ... pude trocar umas palavras com ele e depois me despedi e vim para minha casa.
Creio que meu Dia não poderia ter sido melhor sai com o sentimento que iria ter um dia de "Luxo" e encontrei e pude proporcionar a felicidade na necessidade.”
O texto
está exatamente como ele escreveu. Só copiei e colei com autorização dele.
Como
muitos de nós ele poderia fingir que não viu e ir adiante. Aos nossos olhos,
são várias as pessoas no mundo que pertencem ao mundo dos invisíveis. Mas ele
resolveu parar e ver o que poderia ser feito. Com a grana curta, não sei se
sobrou lanche para ele, mas isso não importa. Mesmo que não tenha lanchado
naquele momento, creio que a satisfação por ter feito aquilo foi muito maior do
que a satisfação que qualquer lanche poderia trazer.
Como
muitos outros por ai, este é um exemplo de animal não inconveniente. Uma
espécie que infelizmente está em extinção. Não devemos esperar surgir uma ONG
querendo salvar esta espécie. Eu e você podemos começar este movimento fazendo
nossa parte. Fazemos parte do grupo de animais racionais. Ser inconveniente ou
conveniente é uma escolha nossa.
Faça sua
escolha. O mundo espera sua decisão.
¹ As boas mulheres da China: vozes ocultas / Xinran; tradução do inglês Manoel Paulo Ferreira - São Paulo; Companhia das Letras, 2007.